sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Saudade


És a filha dilecta da noss'alma
Da noss'alma de sonho e de tristeza,
Andas de roxo sempre, sempre calma
Doce filha da gente portuguesa!

Em toda terra do meu Portugal
Te sinto e te vejo, toda suavidade
Como nas folhas dum missal
Se sente Deus! E tu és Deus, Saudade!...

Andas nos olhos negros, magoados
Das frescas raparigas. Namorados
Conhecem-te também, meu doce ralo!

Também te trago n'alma dentro em mim,
E trazendo-te sempre, sempre assim,
É bem a Pátria q'rida que eu embalo!




Florbela Espanca in Trocando Olhares.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

You are so beautiful to me.


Joe Cocker - ''You are so beautiful to me''

sábado, 25 de agosto de 2012

Insônia


Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite -
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah! o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
- Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho forças para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos -
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos versos...
Tanto versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora dele e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo - sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!

Ô madrugada, tardas tanto...Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado,
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio.
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte...
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.

Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece.
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.

Álvaro de Campos
(1888-1935)



esta imagem pode ser encontrada neste site: Triplic'Art

J'ai tué ma mère

Dica de filme para um sábado de frio e chuva:  





sábado, 18 de agosto de 2012

O escritor e a dúvida


 

    Gostaria apenas de compartilhar este texto com vocês que acompanham, carinhosamente e com alguma regularidade, as atualizações deste meu «cantinho de desabafo e poesia».
    É um texto escrito pelo jornalista José Castello, publicado no Jornal ''O Globo'' em 18/08/2012 e e que está disponível no blog   «Conteúdo Livre»
    O texto se chama ''A criança perdida'' e trata-se de uma espécie de reflexão sobre o ato de escrever e sobre a figura do escritor. José Castello discute e questiona o modo como, na atualidade, a sociedade e as instituições ligadas à Literatura relacionam-se com a figura do escritor, faz isso através das ideias do escritor Bartolomeu Campos de Queirós.

Aqui têm alguns trechos que resumem, mais ou menos, algumas de suas ideias principais:

''Falecido em janeiro de 2012 aos 67 anos, o escritor Bartolomeu Campos de Queirós nunca se cansou de dizer, ao contrário, que os escritores não escrevem com o que sabem, mas com o que desconhecem. “Se a literatura é uma extensão do autor, a mim ela surge pela falta”, diz em um dos ensaios de “Sobre ler, escrever e outros diálogos” (editora Autêntica). “Meu desejo é talvez de contar para os mais jovens aquilo que gostaria que fosse narrado a mim”.

“Só me interesso pelo que me falta”, insistia em dizer, e com isso explicava um pouco como os escritores suportam tantos anos de solidão antes de chegarem a um livro. O livro, no fundo, é só o desfecho dessa luta. É uma cicatriz que, em vez de ficar inscrita no corpo, se inscreve no papel. Para lutar, alimentam-se da insatisfação. “O que sei não me basta ou satisfaz”, escreve Bartolomeu. “Criar, para mim, é a alternativa derradeira para abrandar o peso do não sabido”.

''(...) Literatura é o contrário do aprendizado. O escritor não é um mestre, mas um aluno que luta para escutar a si mesmo. Consegue ouvir alguma coisa, e do que ouve, escreve.Não é muito, e por isso a literatura não oferece grandes respostas. Mas é o bastante para nos abalar.''


Bartolomeu parecia ser um daqueles escritores conscientes, que antes de ostentar algum tipo de orgulho e julgar-se um ''sábio'', colocava-se na posição de alguém que apenas pára e consegue ouvir a si próprio. Eu diria que o escritor e também os artistas, de um modo geral, são pessoas que conseguem olhar para a vida, para as pessoas e para si próprio como se fossem capazes de colocar-se fora disso tudo, «como a Alice de Lewis Carrol  a olhar para o jardim e para o coelho apressado através do pequenino buraco da fechadura''. 

E mais uma vez, creio ser útil trazer de volta aquela velha frase: ''É preciso idolatrar a dúvida!''



Clique no link acima para ler o texto ''A criança perdida'', escrito por José Castello e disponível no Blog ''Conteúdo Livre''.



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Sally's song


Esta música faz parte do filme ''The Nigthmare Before Christimas'', uma das mais
conhecidas e mais belas produções de Tim Burton. 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Tempo de pipa - Cícero

''Mas tudo bem,
o dia vai raiar,
pra gente se inventar de novo...''


''Tempo de pipa'' é uma das faixas do disco ''Canções de Apartamento'' do cantor Cícero, antigo vocalista da banda ''Alice'':



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Sobre chás, sofás e madrugadas:

No meio da madrugada,
Depois de acordar suado,
assustado,
como um menino perdido em seus pesadelos,
acalmo-me:

com o sabor do chá,
o frio da manhã que nasce,
os suspiros das estrelas no universo.

«Não te percas nos teus sonhos,
menino-ostra,
Tem cautela para não pisares
e machucares
as margaridas do teu caminho
E
deixa o Rouxinol cantar,
deixa-o cantar e passa.
Passa, que já já estás a sorrir de novo»





sábado, 4 de agosto de 2012

Canção de Embalar - Zeca Afonso



De certeza que ouvi outros Fados antes deste.
Mas, foi este o primeiro que me marcou,
e se fechar os olhos
até consigo lembrar, sentir e quase reviver
o exato minuto em que o ouvi pela primeira vez.




quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Falta-me a Inteireza.

Os versos
não têm querido sair de mim.
Assemelham-se a pingos
de uma chuva fina e rala.

E às vezes penso
que já chorei
todos os versos que podia chorar.

Mas,
quando penso ter ido longe,
ou estar imerso num grande
e obscuro nada,
surgem-me, na boca,
mais gotinhas de alguma luz
- versitos pensados
e sentidos para ti, meu querido.

Pr'a cantar essa doida saudade,
esse sentimento grande que é te amar,
mesmo te tendo assim perdido,
no longe, na distância...
Mas, ainda assim,
tenho-te por perto sempre,
como uma sombra constante,
um sopro de lembrança e de vontade
que acompanha o meu espírito
por todos estes degraus, curvas,
ruas escuras,
por onde nunca me acho,
apenas me perco...

Tu és o moço dos ombros bonitos,
dos cachinhos castanhos
que com aura de anjo
e sorriso de pirata
presenteou-me com as andorinhas
e o sorriso jovem do verão,
mas que por culpa
do destino
e de algum deus invejoso,
sequestrou a minha inteireza,

sou agora este poeta casmurro,
metido debaixo de um guarda-chuva
e de um capote roxo,
de passos lentos,
com as mãos nos bolsos,
melancólico nos gestos,

partido
por que tenho só Saudades tuas.

Mas o coração
e também a chuva no telhado
me dizem a mesma coisa:
«Ele há de voltar, há de voltar»

pra que eu,
inteiro de novo,
reencontrado,
possa, então,
te dar o meu amor
e os meus versos,
que hão-de ser menos,
menos tristes.