sábado, 28 de dezembro de 2013

Poema de Federico García Lorca: Esta luz, este fuego que devora...

Esta luz, este FUEGO QUE DEVORA.
Este paisaje gris que me rodea.
Este dolor por una sola idea.
Esta angustia de cielo, mundo y hora.

Este llanto de SANGRE que decora
lira sin pulso ya, lúbrica tea.
Este peso del mar que me golpea.
Este ALACRÁN que por mi pecho mora.

Son guirnaldas de amor, cama de herido,
donde sin sueño, sueño tu presencia
entre las ruinas de mi PECHO hundido.

Y aunque busco la cumbre de prudencia
me da tu corazón valle tendido
con CICUTA y pasión de amarga ciencia.


terça-feira, 20 de agosto de 2013

Vaivém

Nem choro,
nem canto.
Só um ir
e um vir,
incessante,
indiferente.
Onda vai,
onda vem.
Como se a mágoa
e a alegria do mundo
se tivessem apagado.

- Luísa Dacosta em ''A maresia e o sargaço dos dias''.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Asleep

sing me to sleep
and then leave me alone
don't try to wake me in the morning...




que pena,
amor,
eu plantei tantos versos nos teus ouvidos

e nem um
nem um brotinho de poesia sequer
mísera singela pequena que fosse
nada

só os números tontos
os códigos brutos
as camisas de flanela
e o cigarro que tu fumas de um jeito bonito

não amo canteiros onde a poesia não nasce
mas te amo
porque quer queira quer não
é abraçando o inverno
que a gente sonha e cria as primaveras

fica faltando
então
dizeres com a boca
encostada na minha
o que teus olhos de anjo
nunca negaram:

se sou eu um pobre e teimoso girassol
que nasce olhando pro chão
tu és o meu sol
que me abraça
me aquece
e me dá tudo
a terra
a saliva
e o céu.

o tempo come

come os dias com uma voracidade
que assusta
come como uma criança recém-nascida
louca pelo seio da manhã
que está cheio de leite
come como uma fera
que não vê carne há três dias
come avassaladoramente
como o sol que engole sem pena os meteoros
que correm para o seu abraço
come como a mulher do pipoqueiro
que não cabe mais em seu vestido verde
come como hiena desmemoriada
come como um cardume de piranhas
come como a ferrugem
que mata o pulmão dos homens
come como um monstro
cuja garganta é um poço negro sem fundo
come como o escuro
como os medos e
como a noite dos lugares ermos
come como os grasnidos de um lobo
e os assobios de um rouxinol
come como o lamento de um fado
e o suspiro lento de uma viúva

come, enfim, como os versos que o corvo me traz!

o que o tempo não come?
o tempo come tudo,
os corpos, as mentes,
o passado, o presente e o futuro
come o que homem quer
e aquilo que despreza
come a sua memória
e o seus sonhos perdidos...

só não come a si próprio,
só isso o tempo não come.
Não come a si próprio
porque não é mais que um buraco,
um lugar fundo e sem fim
um sopro duro de nada
que é quase quase
o tempo é quase
tudo.

domingo, 28 de julho de 2013

O COBRADOR DOS CACHINHOS

Subo no ônibus
com meu jeito desengonçado
e ele me olha
- nossos olhos se olham.

Tem a pele clara,
ainda que bronzeada pelo sol de março.
Os olhos escuros e meigos
como os de dócil cãozinho.

É magro,
braços e pernas finas
- outro dia
o vi fumando
um cigarro, a olhar distraidamente para o céu.
E os cabelos, ai o cabelos,
são de um negro castanho,
feitos em cachinhos que lhe cobrem a testa.

Aos meus olhos,
assemelha-se àqueles anjinhos
dos afrescos de Michelangelo,
embora seja másculo e sensual,
Parece ingênuo, pronto, é isso - mas só parece.

A verdade é que vejo nele um outro homem,
o homem que amei
O homem que conheci em terras lusitanas,
que passeou comigo
e me mostrou o Porto.
O homem que marcou minha vida e minha pele
à ferro, fogo e saudade,
que me deu o seu corpo
como os navegadores dos quinhentos
se deram às índias e índios.

Enfim, não é nada isso o que sinto
nesta manhã de sol de inverno.
É só procura,
vagar,
anseio por beleza e vulgaridade,
como quer toda a humanidade:
uma vulgaridade
que pareça bela, sublime,
que se prostitua nas ruas
e goze na boca dos homens,
vestida de velas e altares.

O cobrador dos cachinhos
- olha-me mais uma vez,
esconde o sorriso
e mete o desejo
dentro de uma daquelas gavetas escuras da alma.
Posso ver, ele morde os lábios.

Seguimos viagem,
olhando nossos reflexos no vidro
que mostra a vida que corre
e que se encena lá fora.
O dia, a biga de Apolo,
concluirá seu percurso
e, mais tarde,
quando a Noite nos tocar
com seus dedos de veludo
e nos cobrir com sua manta de amargura,
deitaremos os dois sobre nossas camas
e gritaremos amém
quando o orgasmo nos sair,
aliviando os braços,
os nervos, o corpo
- eu a pensar no outro,
como um pobre diabo que não esquece,
ele a lembrar dos meus olhos
que lhe pediam beijos
imaginários.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

OS TRÊS DEUSES MAIS CRUÉIS

Marte,
Deus dos corações humanos,
Dá ao meu espírito a força dos teus braços
para que cruze os campos de batalha
e não morra antes de beijar os lábios de Aquiles uma última vez.

Afrodite,
Deusa enganadora, das falsas promessas necessárias,
Da beleza efêmera e vulgar,
Dá-me o gozo de cada dia
Para que meus pés pisem a terra com menos força
E possa amar mais uma vez.

E tu, Baco, deus dos bêbados,
Dos loucos e dos poetas,
Dá-me o teu desprezo e a tua vaidade
Para que eu possa sorrir
E não seja um outro Orfeu
A perder a cabeça por uma Eurídice qualquer.

Aos três deuses mais cruéis
A vida eterna.
A mim, já me basta esta.





Todos os direitos reservados a Charles Berndt. Não reproduza ou copie, sem autorização, este texto em outro lugar, respeite a lei  9.610 que regula  os direitos autorais e pune o plágio no Brasil. 


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Perder-me-ia

mesmo depois de tanto tempo,
tenho de confessar:

perder-me-ia para sempre
no castanho mágico dos teus olhos,
que é como a cor da terra onde nos amamos
- a Ibéria tem a cor do couro de um boi,
disse um outro poeta. 

perder-me-ia, pela eternidade à fora,
sem contar as horas,
na brancura do teu corpo
que me volta à lembrança 
quando vejo a espuma do mar
que chega à praia nas manhãs mais frias.


hoje,
estou à deriva,
à procura de outros olhos que me abracem,
de um outro mar que me engula,
cansei de ser porto,
atracadouro,
de ver gente passando por mim
e lançando lenços de adeus!

sexta-feira, 28 de junho de 2013

DESABAFO DE UM POSSÍVEL HETERÔNIMO PORTUGUÊS:

Há muito tempo que já não vivo em mim,
mudei-me para um outro sítio,
onde a vida é pacata, rural e posso sentir da minha varanda
o cheiro do mel
que as abelhas produzem todas manhãs.
É um lugar de silêncios, uma dessas aldeazitas do sul de Portugal,
cercada por extensos descampados e montanhas azuis.

Quem passeia pelas ruas tumultuadas,
cruza as avenidas,
perde-se nos becos,
sobe de bonde até Alfama
e admira Lisboa do alto
são os meus olhos - ninguém mais.
Quem, nas noites solitárias,
sai a procurar casas de fados
são os meus ouvidos - ninguém mais.
E quem bebe café, todas as manhãs,
n'A brasileira é ninguém mais do que a minha boca,
que há muito se calou,
enjoou do gosto das palavras.
As palavras... estas que, no entanto, são produzidas
incessantemente pela minha mente,
este relógio de sete ponteiros e de infinitos tic-tacs…
Ora bem, este é o ‘’meu eu’’ da cidade –
um ser que é nada mais do que sentido,
grito, fome, inconsciência.

Eu, eu-verdadeiramente-eu,
como já vos expliquei,
vivo distante,
em qualquer sítio que não seja em mim.
Pois. Vivo só e bem,
quase que esquecido do caos mundano,
das rápidas pausas para o café,
das buzinas, dos elevadores,
do insistente tocar de sino da Igreja de São Estevão,
que não me deixava dormir na juventude!

Mas às vezes,
só às vezes,
canso-me do canto dos pássaros
e de estar só nas manhãs mornas do interior...
Então, tiro o chapéu do cabide
e apanho o primeiro comboio do dia.
Geralmente, vou primeiro à Belém.
Insisto no velho hábito lusitano de admirar o passado,
a época em que fomos donos do Mar,
desbravadores do Oriente!
Desfruto, por alguns minutos,
da melancolia do velho Tejo,
acompanhado, é claro, pelos navegadores de pedra
que apontam para o sul…
para o mundo que jaz fora da terrinha!
Espero que a manhã cresça
e só assim parto para o centro de Lisboa…
Inevitavelmente, acabo por perder-me nos bairros da alta,
onde admiro os azulejos que insistem, novamente,
em me falar de um tempo que já se foi.
Por vezes, se tenho sorte,
esbarro comigo próprio,
com essa parte de mim que é viciada
em multidões, testemunha dos becos e
da boêmia da cidade.
Conversamos os dois,
pois… bebemos café,
comemos um ou dois pastéis de nata,
falamos da chuva que não chega
e dos discursos do senhor Cavaco,
que insiste em nos dizer
que a crise chegará ao fim…
Por questões de velho e enraizado hábito,
também acabamos por falar mal dos espanhóis,
os nossos irmãos das terras-de-dentro...
Conhecem o ditado
''de Espanha nem bom vento, nem bom casamento'' ?
Pois bem. 
E, se calhar, meus amigos,
se estivermos os dois de bom humor,
tecemos, ali mesmo,
sobre a mesa de ferro da pastelaria ,
alguns versos soltos… poesia de botequim,
dessas que atrai as moscas e cheira a cerveja de ontem
- é assim que nascem algumas das minhas criações,
que alguns dizem – os amigos mais próximos e generosos – 
 tratar-se, de facto, de poesia… de boa poesia!
É evidente que duvido,
ou hesito em acreditar…
Lembro-me sempre das aulas do Liceu
e de um gajo chamado Torres,
 professor de língua portuguesa…
que enchia a boca de saliva  e dizia: ‘’os bons poetas, os herdeiros de Camões, estão todos mortos!’’.
Talvez.
Camões está morto,
mas a sua língua não...
não é assim que cantam lá
para os lados do Brasil:
''gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões''...


Caraças! Já é tarde,
Alonguei-me demais,
tenho de pegar o comboio,
é o último – aquele que só passa às onze horas.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Tempo-novelo.

Foge das minhas mãos
como um novelo que cai
escada abaixo,
rolando,
desfazendo-se, 
desfiando-se,
perdendo-se dos olhos
-olhos que choram de saudade
e melancolia.

Ah, o Tempo!
Ele não volta,
está sempre a cair, cair...
Desfia-se tudo: dias, noites, pessoas
e até o céu.

Mas fica,
fica o gosto do café,
o cheiro do perfume,
a fumaça do cigarro,
o fado ouvido pela primeira vez,
o homem da barba por fazer.
E só com a morte
e talvez nem com ela
se percam e se esqueçam
as lembranças.

Desabafo veraneio.


Raros são os verões dentro de mim.
Gosto das épocas amenas
em que o Sol não se aperta contra a gente
e o frio não nos congela quando a lua desvela sua face pálida.

Contudo, quem pode evitar o inverno?
Quem pode se ver livre das noites frias e solitárias
em que os únicos amigos e sorrisos
são o gosto do chá e a página de um livro...?

Mas o verão e seu calor exagerado
- suas areias queimadas e seus corpos suados-
faço questão de os pular e esquecer...

Assim,
o outono me é quase eterno
e as andorinhas, coitadas,
só me chegam na Primavera
- floridas, cheias de sede e versos.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Suspiros de um fim de madrugada em Coimbra.

  Ah, aí vem novamente o fantasma da madrugada, vestido em vultos, com seus pios noturnos e olhar de gato - seus olhos atravessam-me por dentro, fitam meu espírito,  desvelam meus medos e desejos.  Ele sabe exatamente aquilo que quero. E Sorri - um sorriso contido e indulgente, como aqueles sorrisos que escapam da boca das mães quando beijam, compadecidas, os seus filhos que dormem aflitos. Ele chora também. Chora devagarinho, tem pena do mundo e de suas penas. O mundo tem penas demais.Penas, reis, amores, cítaras, poemas... Julietas e Romeus que choram sob esta ponte que não leva a lado algum - ''ponte dos amores desencontrados''. Diz-se que há debaixo dela uma moça de olhar vago e braços finos, que ainda tem ânimo para tecer alguns versos, chama-se Inês. E Ele, a quem um dia chamaram Pedro I de Portugal, com o corpo esguio e queixo levantado, como se quisesse mostrar o brilho de uma coroa que não brilha mais, sussurra bem baixinho o nome dela... Mas tem medo que alguém o ouça.

«A Saudade,
eis a sombra roxa, rebelde e constante
que dá asas à imaginação do poeta, 
que bebido de insônias acha que consegue compor versos que traduzam o seu peito, os seus suspiros...»

a porta da imaginação
- por onde entram  ventos, palavras e sonhos - fecha-se de repente. 
A noite cala e o corvo grita: 
nunca, 
nunca mais.»


SER POETA, SER CRIANÇA.

o poeta não escreve para dizer bonito,
para ser sublime ou para ouvir
os outros a dizer
que debaixo de seu chapéu de poeta
estão escondidas belas e raras palavras.

o poeta escreve para curar velhices,
para reamolecer as juntas
e acotovelar casmurrices.
Escreve, sim, para dilatar a pupila
como fazem os miúdos
diante de uma borboleta que se descasula.

a sublimidade do poeta
está em voltar a vestir a jardineira azul de sua infância
e ir buscar nos jardins-do-mundo
os (des)sentidos
que colorem
e resemeiam a vida.

sábado, 18 de maio de 2013

sem musas nem estrelas.

hoje não me apetece falar da noite bonita
que se estende lá fora,
nem dos anjos de cabelos loiros
e túnicas roxas,
que supostamente tecem
os versos tristes de todos os poetas.

as estrelas estão lá, pois,
brilhantes e longínquas,
impossíveis,
mas elas não me dizem nada.

apetece-me falar do cadarço
do sapato da Mariazinha,
que caiu esborrachada
e amassou seu vestido novo;
do João que morreu
atravessando a rua,
quando ia comprar o jornal;
das colherinhas de açúcar
que despejo no café,
com as quais meço os meus dias.

apetece-me, finalmente, a poesia que dança
nas nádegas do rapaz que passa,
exibindo a sua calça laranja.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

querida menina da lua,

não pense você que eu lhe esqueci.
Não, meu bem.
Vivo eu tresloucado
a correr os dias
e só tenho tempo de parar
para o cafezinho da tarde
e escrever os meus versos atropelados.

Há-de chegar, sim, o dia
em que poderemos
nos  perder nas tardes calmas
de um verão qualquer,
tomando chá,
falando de coisas banais
e do sorriso dos anjos!

O corvo.

poemas e palavras
reciclam-se
como dias, noites e estrelas
- não há verso que morra
e não nasça de novo
na boca de outro poeta,
ainda que venha vestindo
outra cor,
outra dor,
outro sabor.

A poesia persiste,
é pássaro que choca dentro
da gente - aquele corvo saiu de mim,
fugiu quando abria a boca num bocejo:

nunca mais!

A LUA NA JANELA

a lua na minha janela
sorri aberta como um anjo,
dando boa-noites a quem passa pela rua
e lhe lança um olhar-suspiro

O CISCO


...tardes volumosas e agitadas movem-se dentro de mim,
chacoalham-se como macacos alvoraçados
que veem seus filhos sendo levados embora
- uma selva de gentes, carros, convites para cafés,
bilhetes, braços e mãos estendidas por mera convenção.

Fumo um cigarro a pensar...
a pensar na palavra-fuga,
na mordaça à balbúrdia que se instala
dentro de mim.
calem-se os babuínos famintos
que dilaceram-me os dias
com sua pressa, afinal!

Mas nada nada é suficiente,
nada nada que possa ser a dose
certa de camomila!

*

Passos vagos numa estrada de pedra,
perdem-se os olhos
e os ouvidos afinam-se:
uma flauta celta
canta tristemente ao fundo da via-sacra.
É como se alguém morresse, afinal.
O mundo nem dá por isso.
O mundo nem dá por mim.

CATAPLIN:
Lá está,
um cisco de diamante,
a pedra perdida do anel de
uma noiva-fantasma
que vaga na terra
e vela as noites e sonhos
dos que não tem medo de si.
Olhar para o céu salvou meu dia!
Eis a fuga que meus olhos ansiavam:

o impossível.

O CHORO

em dias assim chorosos
eu até acredito
que haja algum deus amigo,
que cansado dos meus suspiros,
atenda o meu pedido:

«Ok, vá lá, suspira aliviado,
o dia hoje chorará por ti
e terás motivo pra sorrir!»

quinta-feira, 14 de março de 2013

Amarello Amor

Eis aqui uma linda reflexão sobre o(s) amor(es): ''...Mas, então, numa quinta-feira à tarde de um ano qualquer, tropeçamos neste amor supostamente esquecido...''  



Este vídeo também pode ser encontrado no seguinte endereço eletrônico: https://vimeo.com/45147642, onde há dados descritivos sobre a produção e direção. 


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Poeta das aves sem ninho.


quem me dera tirar sorriso
das palavras
quando a mim
elas já chegam cansadas,
cantando entardeceres,
mendigando doces e delicados suspiros.

-- pássaros,
que sedentos de sede
pousam à minha sombra,
bebem das minhas lágrimas,
e cantam para adormecer
a velha chama
que arde dentro de mim!

«Poeta das aves sem ninho...»
sussurram-me elas com dolência
e um condoído pesar de pálpebras.

Já é dia,
já é tempo -- o sol já vai dormir.

25/12/12

Além-dor.

não sei que bicho me mordeu,
nem que feitiçaria me tocou
- é sempre a mesma vontade magoada de tecer versos.

pequenos versos de algodão
-retalhos-
costurados à força numa manta roxa que nunca que se finda.

Manta esta que é meu capote,
meu guarda-chuva
e guarda-frio.
Meu passaporte às terras de Além-dor.

08/12/12

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

quem me dera ter
as asas das palavras-vento,
que sopram onde querem,
ao sul ou
a mais norte que se possa ir.

quem me dera
Deus me dar a leveza
e a perfeição das estrelas,
que também são palavras
- as mais ditosas e sinceras.

quem me dera ser o tudo
que se lê numa poesia,
gritar de tristeza sem ser triste.

Ser o mundo e suas sensações todas,
inteiras,
puras,
inconscientes e
belas.
Ah, a beleza que sorri sem vaidade.

- ser a chuva que chora e não sente dor,
o sol que arde sem se queimar,
o vento que suspira sem temer a tempestade!

quem me dera amar amando sem saber que se ama...
''amar perdidamente

aquele, aquém e toda gente''

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Compartilho aqui este magnífico conto de João Silvério Trevisan, que é uma verdadeira pérola literária, provocando-nos com indagações a respeito da vida, do amor, dos mistérios e da morte... Logo abaixo, já que se trata de ''provocações'', podem encontrar a interpretação do mesmo conto feita por ninguém menos do que Antônio Abujamra.


DOIS CORPOS QUE CAEM:


     Por simples acaso, dois desconhecidos encontraram-se despencando juntos do alto do Edifício Itália, no centro de São Paulo.
- Oi – disse o primeiro, no alvoroçado início da queda. – Eu me chamo João. E você?
- Antônio – gritou o segundo, perfurando furiosamente o espaço.
E, só pra matar o tempo do mergulho, começaram a conversar.
- O que você faz aqui? – perguntou Antônio.
- Estou me matando – respondeu João. – E você?
- Que coincidência! Eu também. Espero que desta vez dê certo, porque é minha décima tentativa. anos venho tentando. Mas tem sempre um amigo, um desconhecido e até bombeiro que impede. Você afinal está se matando por quê?
- Por amor – respondeu João, sentindo o vento frio no rosto. – Eu, que amava tanto, fui trocado por um homem de olhos azuis. Infelizmente só tenho estes corriqueiros olhos castanhos…
- E não lhe parece insensato destruir a vida por algo tão efêmero como o amor? – ponderou Antônio, sentindo a zoada que o acompanhava à morte.
- Justamente. Trata-se de uma vingança da insensatez contra a lógica
- gritou João num tom quase triunfante. – Em geral é a vida que destrói o amor. Desta vez, decidi que o amor acertaria contas com a vida!
- Poxa – exclamou Antônio – você fez do amor uma panacéia!
- Antes fosse – replicou João, com um suspiro. – Duvidoso como é, o amor me provocou dores horríveis. Nunca se sabe se o que chamamos amor é desamparo, solidão doentia ou desejo incontrolável de dominação. O que na verdade me seduz é que o amor destrói certezas com a mesma incomparável transparência com que o caos significante enfrenta a insignificância
da ordem. Não, o amor não é solução para a vida. Mas é culminância. Morrer por ele me trouxe paz.
Ante o vertiginoso discurso, ambos tentaram sorrir contra a gravidade.
- E você, como se sente? – perguntou João a Antônio.
- Oh, agora estou plenamente satisfeito.
- Então por que busca a morte?
- Bom – respondeu Antônio – me assustou descobrir um fiasco primordial: que a razão tem demônios que a própria razão desconhece. Daí, preferi mergulhar de vez no mistério.
- Sim, da razão conheço demasiados horrores. Mas que mistério é esse tão importante a ponto de merecer sua vida?
- Não sei – respondeu Antônio. – Mistério é mistério.
- Mas morto você não desvendará o mistério! – protestou João.
- Por isso mesmo. O fundamental no mistério é aguçar contradições, e não desvendar. Matar-me, por exemplo, é bom na medida que me torna parte do enigma e, de certo modo, o agudiza. Tem a ver com a fé, que gera energias para a vida. Ou para a história, quem sabe…
- Taí um negócio que perdi: a fé. Deus para mim… – e João engasgou.
- Ora – revidou Antônio vivamente. – A fé nada tem a ver com Deus, que se reduziu a uma pobre estrela anã de energias tão concentradas que já nem sai do lugar. Deus desistiu de entender os homems, e virou também indagador. Sem Deus nem Razão, a única fé possível é mergulhar neste abismo do mistério total.
- Mas para isso é preciso ao menos saber onde está o mistério – insistiu João com os cabelos drapejando ao vento.
- Ué, o mistério está em mim, por exemplo, que me mato para coincidir comigo mesmo. Mas há mistério também em você: seu morrer de amor é o mais impossível ato de fé. Graças a ele, você participa do mistério. Porque se apaixonou pelos abismos. João olhou com olhos estatelados, ao compreender. E Antônio, que já faiscava na semi-realidade da vertigem, gritou com todas as forças:
- Há sobretudo este mistério maior de estarmos, na mesma hora e local, cometendo o mesmo gesto absurdo e despencando para a mesma incerteza, por puro acaso. Além de cúmplices, a intensidade deste mergulho nos tornou visionários. Você não vê diante de si o desconhecido? É que já estamos perfurando a treva.
E como tudo de fato reluzia, João também ergueu a voz:
- Sim, sim. É espantoso o brilho do absurdo.
- E agora – disse Antônio bem diante do rosto de João – falemos um pouco da permanência. Você gosta dos meus olhos azuis?
Foi quando os dois corpos se estatelaram na Avenida São Luiz.




sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Via Láctea


Já que a noite é de poucas estrelas, calha bem este soneto do Bilac:

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

-Olavo Bilac-

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Sonho de cada dia.



Sentiu-se leve
e assim,
 «levado»
pelo embalo dos sons da madrugada
foi deitar-se
com a cabeça cheia de sonhos
e vontades...

Sonhou que tudo era leve
e que podia girar como giram os bailarinos
sem se machucar.
 Girou, girou
e despiu-se de tudo,
do medo
da ansiedade
e da Saudade,
sonhou que o mundo era pequeno,
que o longe é já aqui
e que o Tempo é sempre muito.

Rodopiou-se,
girou-se
entre os sentimentos,
bagunçou alguns,
trocou-os de lugar,
perdeu-os...

Ah,
se a vida tivesse asas
e este gosto fácil
de sonho,
ele não teria de dormir
para sonhar dias felizes!


Redoma - Filipe Catto



sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Númenna


Númenna - Into the West - é um poema escrito por Tolkien numa das línguas que ele próprio inventou, o Quenya. Na mitologia de Tolkien, esta é uma língua falada pelos ''altos-elfos'', pertencentes às casas de Noldor e Vanyar, aqueles que alcançaram Valinor, uma espécie de ''paraíso'', um grande Vale localizado no extremo Oeste da Terra-Média, morada dos Valar, que são os deuses que construíram e edificaram o mundo. Maiores informações sobre isso podem ser encontradas no livro póstumo de Tolkien, ''O Silmarillion''.  A partir do Quenya surgiram todas as outras línguas faladas por homens, hobbits, anões e outros seres que vivem na Terra-Média. Dessa forma, o Quenya pode ser comparado ao Latim Clássico, do qual derivaram as atuais línguas latinas faladas no Ocidente. Enfim, sou completamente apaixonado pela obra de Tolkien, a baixo têm o poema musicado e cantado em Quenya....



sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

a última nuvem roxa.


lá se vai a última nuvem roxa
-a desgarrada, que no céu anda perdida-,
hoje, o senhor não quer lágrimas sobre esta terra.

voa sem pressa para trás de um monte
-a delicada-,
onde possa dar vez ao choro
sem sentir vergonha.

e se a pobre nuvem roxa
olha para terra com medo,
contendo-se,
eu largo os meus olhos soltos no céu
para que minhas lágrimas não caiam sobre chão.

Noite soluçante.


ave preta que poisou na minha janela,
ouves a noite a soluçar?
Ela é tão triste,
suas lágrimas são grossas,
como as de uma noiva abandonada no altar...

ouves, querida ave?
Tu que voas o dia todo
pelos campos e pelas colinas,
plantando e colhendo versos...
E à noite,
quando Apolo esconde sua cabeleira
loira por detrás dos montes,
voas para mim,
grasnando,
trazendo-me pequenos e
delicados versos,
botões de violeta
que escondo nos bolsos...

ah, mas de quê adiantam os versos
Se  não dão vida ao meu pálido coração
nem matam a tua negra solidão?


a Noite continuará soluçante...