quarta-feira, 25 de março de 2015

ÉS NEVOEIRO

Ó Portugal,
hoje és nevoeiro


És
nuvem de espuma
diante dos meus olhos opacos
num dia de outono

És o invisível,
o que não existe, a quimera
ou quiçá um amor impossível

És
a lembrança de estalos de beijos noturnos
em meus ouvidos tantas vezes surdos

És
a polpa de uma fruta doce e incomum
da qual nem sequer me lembro o nome

És
o perfume do pescoço fino
do homem que não esqueço

És
cortes feitos à unha na pele das minhas costas
no escuro de uma noite perversa

Ó memória,
tu és mesmo uma ave de rapina,
já lá vai o tempo
plainando sobre os múltiplos cadáveres
que saíram de mim
enquanto bebia vinho
e pensava poesia

Ó tempo,
quanto tempo
que estou longe de ti, Portugal,
tu que me és a alegoria mais suave
desse corpo amado
jamais esquecido
e nunca sepultado

Vigio-te, Portugal!
Cuido da nossa antiga cama de afetos,
os passeios calmos à beira do Mondego,
os temporais e os vinhos do Porto,
as tardes em que ansioso te esperei...

Cuido dos travesseiros
de penas, dores e saudades
para que tudo permaneça assim,
vivo
como um coração cheio de sangue,
nada pode perecer em modo estático,
a máquina do tempo não pode parar ainda,
a claraboia do quarto onde nos víamos ainda está aberta
para as estrelas!

Ó Portugal,
hoje és nevoeiro,
este que vem da praia
que caminha p'ra mim,
que revela redes, uma canoa baleeira
vinda flutuante d'alguma parte dos Açores

Nevoeiro
que traz cantos,
sereios,
encantos,
enterrados por mim na areia
como conchas
que me lembram teu rosto

Ó Portugal,
hoje és nevoeiro,
fantasma,
o sonho que melhor teci,
o verso mais perfeito que sem escrever
escrevi,
o amor que à força costurei
e que mais sofrimentos me deu
que sorrir

Pois,
sem que eu queira,
hoje – ainda – és
nevoeiro,
estranho segredo

Ó Portugal,
hoje és
nevoeiro, nevoeiro!

E eu
sou teu novo Encoberto!
Rei poeta
que numa outra vida foi guerreiro!

Esperas por mim – pelo meu regresso –
sem o saber

Quando nos unirmos, num beijo de fim,
saberemos que terá se cumprido
o nosso utópico, distante
telúrico
destino!

C. Berndt
21/08/2012

quarta-feira, 11 de março de 2015

EL REI SEBASTIÃO

nesses dias de Saudade,
em que olho as estrelas, bebo vinho,
oiço fado,

só uma coisa verdadeiramente me consola
e me dá, ao espírito, algum frescor:

olho pela janela e espero,
como nato lusitano,
espero vê-lo, revê-lo,
um dia,
o rei santo,
de cabelos castanhos e olhos aveludados,

surgir da noite, das ondas,
o Encoberto,
belo e angelical,
e sem medo atravessar o meu umbral,
abraçar-me a cintura
e com um beijo na boca
dizer-me que foi tudo um sonho,

''ainda estamos em Portugal''...


C. Berndt