terça-feira, 25 de abril de 2017

quantas palavras são ditas através de um silêncio?
quantos versos, quantos poemas
fazem-se enquanto eu te fito, tu me fitas
abraçados um ao outro
caindo, descendo, dançando como dois cometas pela periferia da Via Láctea...


O NOSSO MUNDO

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Poisando em ti o meu amor eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos...

Os meus sonhos agora são mais vagos...
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno...
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A vida, meu Amor, quer vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?...
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?...
O mundo, Amor?... As nossas bocas juntas!...

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

quarta-feira, 19 de abril de 2017

19/04/2017

transpiro-te
ainda
sim, transpiro-te
sinto-te na minha pele
a entrar-me e a sair-me pelos poros
no ouvido o barulho dos beijos
ainda
e o perfume
a ambrosia, o vapor
seguindo-me
grudados em meu corpo
meu corpo breve e frágil a fugir da chuva

*

depois de um copo d'água
no apartamento ainda escuro
vazio e silencioso como um templo
fecho os olhos
e vejo, como dois lumes, teus olhos
teus lindos olhos
duas estrelas castanhas dos confins da Via Láctea
a encher-me de luz nova
sou Saturno sem anéis a girar em torno de ti

*

talvez não façam dez minutos
desde que nos despedimos
sim, dez minutos atrás eu beijava tua boca
tocava tua pele
e sentia que o próprio Apolo invejava-nos
a chuva fina são suas lágrimas finas a pensar em Jacinto, pois
mas o deus da luz, que é também o deus da Cruz,
não tem espaço para ressentimentos em seu puro coração
por isso segue-nos com os olhos
e sorri feliz toda vez que chego em casa
absorto, embriagado de paixão

*

ofereço-te por fim
omoplatas sobre uma mesa de vidro
dentro delas, violetas e gerânios,
as minhas flores prediletas
as mesmas que apanho tarde da noite nas campinas tardias
e distantes
por onde vagueio sempre em silêncio
metamorfoseado em coruja, lobo ou borboleta da lua, certamente
sim, ofereço-te este singelo e sibilino jardim
que é meu corpo, minha mente
e quiçá minha alma, amado e dileto delfim!

C. Berndt.