domingo, 6 de novembro de 2011

Pérolas.



Às vezes, eu me sinto como a criatura mais triste,
a mais só,
Sinto-me como se fosse o único a reparar na fumaça do mundo,
o único que se perde em charcos de chumbo,
Sinto-me como se o mundo inteiro não fosse o meu lugar,
e na esperança de um colo ou de uma relva sozinha e quente,
onde possa eu deitar e chorar sem ser visto,
escrevo.
Escrevo e crio mundos que não existem senão dentro da minha cabeça
e dos meus sonhos,
mas nem por isso deixam de existir,
mundos que surgem  de dentro da imaginação prodigiosa da minha alma,
imaginação que me salva do silêncio mortal que tem a solidão.


Há dias que acordo crente de que sou o mais desgraçado dos seres,
aquele que transita entre o mel dos sorrisos flamejantes de Afrodite
ao sono mortal e quieto-em-tudo de Morpheu.

Mas aprendi que é na tristeza e no silêncio,
que se fundam muitos reinos de água-vida,
sentimento.
A dor há de ser uma semente,
de sofrimento,
mas sobretudo de luz.
Uma semente daquelas que se jogadas em terras vibrantes,
produzem catástrofes seculares de luz-epifania,
de esclarecimento,
de silêncio-calma e compreensão,
de poesia e de coisas profundas e silenciosamente sábias e lúcidas em sonhos,
devaneios,
verdades esquecidas.

Hoje sou como um mar em tempestade,
repleto em naufrágios,
barulhento em sua quietude-lampejante,
Sofro, morro de saudades,
e a chuva e as lágrimas me fogem dos olhos sem piedade,
lagos e lagoas que se perdem em peixes-ciclos,
a fugir para um mar de turbulência-turva,
águas que não são escuras,
oráculo,
mistério de deuses,
Moiras esquecidas.

Mas em tardes de sorte,
quando ouço o forte tilintar sonoro-músico da trombeta de Gabriel,
no céu,
todas as tempestades
são engolidas por raios de sol e por uma chuva fina e doce,
por palavras quentes e amigas, pelo silêncio das línguas cansadas,
que tudo diz sem dizer absolutamente nada,
que se lança sobre tudo, acalmando, diluindo o furor.
É quando me dou conta,
que o mundo é mesmo um mar de tormentas,
e a felicidade nada é senão,
os momentos raros de calmaria,
estiagem em ternura, candura que passa,
mas sobrevive no paladar da lembrança.
Assim, dou-me conta ainda,
que cedo e tarde,
todos naufragam,
a diferença consiste na consciência que se tem disso,
uns são levados pelo mar e nem mesmo sabem que o são,
outros,
tão habituados à luz dançante artificial dos salões
mediocremente vaidosos
erguidos em faróis perdido sobre auto-mar,
morrem no primeiro mergulho,
morrem porque não sabem que podem respirar,
oxigênio-luz,
candeia acesa em buraco negro.

Disse qualquer sábio na orla da praia mais esquecida do mundo:
'Ostra feliz não faz pérola'
Completo,
'Ostra, para fazer pérola, tem de ter um grão de areia dentro de si,
um grão que a faça estrebuchar no pranto e contorcer-se na labuta sozinha da noite fria e só.'

Arte e poesia,
sem dor não são.
Luz sem escuridão,
é pobre vaga-lume ao meio dia.
Órion quem seria sem escorpião?

E eis que o mundo é isso mesmo,
obscuro nas aparências,
claro demais em sua essência,
Luz que ofusca,
mete medo,
ilumina.
Chorando ou não, todos choram.
Ausência é só o que há.
A morte não trás mais medo,
foi engavetada.
O mar continua a caminhar com suas águas,
a bater suas ondas nas rochas firmes,
escorregadias,
ora a sorrir,
ora a gritar,
Pérolas não se encontram em qualquer rocha,
nem descanso em qualquer praia quieta.

Cala-se a trombeta.

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