Subo no ônibus
com meu jeito desengonçado
e ele me olha
- nossos olhos se olham.
Tem a pele clara,
ainda que bronzeada pelo sol de março.
Os olhos escuros e meigos
como os de dócil cãozinho.
É magro,
braços e pernas finas
- outro dia
o vi fumando
um cigarro, a olhar distraidamente para o céu.
E os cabelos, ai o cabelos,
são de um negro castanho,
feitos em cachinhos que lhe cobrem a testa.
Aos meus olhos,
assemelha-se àqueles anjinhos
dos afrescos de Michelangelo,
embora seja másculo e sensual,
Parece ingênuo, pronto, é isso - mas só parece.
A verdade é que vejo nele um outro homem,
o homem que amei
O homem que conheci em terras lusitanas,
que passeou comigo
e me mostrou o Porto.
O homem que marcou minha vida e minha pele
à ferro, fogo e saudade,
que me deu o seu corpo
como os navegadores dos quinhentos
se deram às índias e índios.
Enfim, não é nada isso o que sinto
nesta manhã de sol de inverno.
É só procura,
vagar,
anseio por beleza e vulgaridade,
como quer toda a humanidade:
uma vulgaridade
que pareça bela, sublime,
que se prostitua nas ruas
e goze na boca dos homens,
vestida de velas e altares.
O cobrador dos cachinhos
- olha-me mais uma vez,
esconde o sorriso
e mete o desejo
dentro de uma daquelas gavetas escuras da alma.
Posso ver, ele morde os lábios.
Seguimos viagem,
olhando nossos reflexos no vidro
que mostra a vida que corre
e que se encena lá fora.
O dia, a biga de Apolo,
concluirá seu percurso
e, mais tarde,
quando a Noite nos tocar
com seus dedos de veludo
e nos cobrir com sua manta de amargura,
deitaremos os dois sobre nossas camas
e gritaremos amém
quando o orgasmo nos sair,
aliviando os braços,
os nervos, o corpo
- eu a pensar no outro,
como um pobre diabo que não esquece,
ele a lembrar dos meus olhos
que lhe pediam beijos
imaginários.
domingo, 28 de julho de 2013
quarta-feira, 17 de julho de 2013
OS TRÊS DEUSES MAIS CRUÉIS
Marte,
Deus dos corações humanos,
Dá ao meu espírito a força dos teus braços
para que cruze os campos de batalha
e não morra antes de beijar os lábios de Aquiles uma última
vez.
Afrodite,
Deusa enganadora, das falsas promessas necessárias,
Da beleza efêmera e vulgar,
Dá-me o gozo de cada dia
Para que meus pés pisem a terra com menos força
E possa amar mais uma vez.
E tu, Baco, deus dos bêbados,
Dos loucos e dos poetas,
Dá-me o teu desprezo e a tua vaidade
Para que eu possa sorrir
E não seja um outro Orfeu
A perder a cabeça por uma Eurídice qualquer.
Aos três deuses mais cruéis
A vida eterna.
A mim, já me basta esta.
Todos os direitos reservados a Charles Berndt. Não reproduza ou copie, sem autorização, este texto em outro lugar, respeite a lei 9.610 que regula os direitos autorais e pune o plágio no Brasil.
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Perder-me-ia
mesmo depois de tanto tempo,
tenho de confessar:
perder-me-ia para sempre
no castanho mágico dos teus olhos,
no castanho mágico dos teus olhos,
que é como a cor da terra onde nos amamos
- a Ibéria tem a cor do couro de um boi,
disse um outro poeta.
perder-me-ia, pela eternidade à fora,
sem contar as horas,
na brancura do teu corpo
que me volta à lembrança
quando vejo a espuma do mar
que chega à praia nas manhãs mais frias.
hoje,
hoje,
estou à deriva,
à procura de outros olhos que me abracem,
de um outro mar que me engula,
cansei de ser porto,
atracadouro,
de um outro mar que me engula,
cansei de ser porto,
atracadouro,
de ver gente passando por mim
e lançando lenços de adeus!
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