Subo no ônibus
com meu jeito desengonçado
e ele me olha
- nossos olhos se olham.
Tem a pele clara,
ainda que bronzeada pelo sol de março.
Os olhos escuros e meigos
como os de dócil cãozinho.
É magro,
braços e pernas finas
- outro dia
o vi fumando
um cigarro, a olhar distraidamente para o céu.
E os cabelos, ai o cabelos,
são de um negro castanho,
feitos em cachinhos que lhe cobrem a testa.
Aos meus olhos,
assemelha-se àqueles anjinhos
dos afrescos de Michelangelo,
embora seja másculo e sensual,
Parece ingênuo, pronto, é isso - mas só parece.
A verdade é que vejo nele um outro homem,
o homem que amei
O homem que conheci em terras lusitanas,
que passeou comigo
e me mostrou o Porto.
O homem que marcou minha vida e minha pele
à ferro, fogo e saudade,
que me deu o seu corpo
como os navegadores dos quinhentos
se deram às índias e índios.
Enfim, não é nada isso o que sinto
nesta manhã de sol de inverno.
É só procura,
vagar,
anseio por beleza e vulgaridade,
como quer toda a humanidade:
uma vulgaridade
que pareça bela, sublime,
que se prostitua nas ruas
e goze na boca dos homens,
vestida de velas e altares.
O cobrador dos cachinhos
- olha-me mais uma vez,
esconde o sorriso
e mete o desejo
dentro de uma daquelas gavetas escuras da alma.
Posso ver, ele morde os lábios.
Seguimos viagem,
olhando nossos reflexos no vidro
que mostra a vida que corre
e que se encena lá fora.
O dia, a biga de Apolo,
concluirá seu percurso
e, mais tarde,
quando a Noite nos tocar
com seus dedos de veludo
e nos cobrir com sua manta de amargura,
deitaremos os dois sobre nossas camas
e gritaremos amém
quando o orgasmo nos sair,
aliviando os braços,
os nervos, o corpo
- eu a pensar no outro,
como um pobre diabo que não esquece,
ele a lembrar dos meus olhos
que lhe pediam beijos
imaginários.
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