é da noite que mais tenho medo
os fantasmas os rostos
o passado inteiro com seus dentes caninos mais afiados
o balançar sombrio e repentino da cortina escura, cheia de poeira
as frestas na janela
a coruja poisada no garapuvu piando como se sentisse dor,
a minha dor
tudo isso, sabe,
é que me mete medo
me dá uma vontade doida e infantil
de meter a cabeça de baixo do travesseiro
e chamar pela minha mãe,
que a essa hora já dorme o seu sono tranquilo de mãe
é um medo de olhar sem medo
encarar frio e corajosamente
o que em mim ainda pia, lateja, goteja mágoa,
traz saudade ou ódio,
ou às vezes simples ânsia,
não me pergunte de quê, é uma ânsia ânsia,
indescritível ânsia
que a mim faz todo sentido
veja bem, nem sei bem
do que é que tenho medo
mas conheço bem o que amo
e o que abomino,
conheço bem a cara que pintei
para mostrar e sonhar as coisas belas
e esquecer e denunciar as terríveis
mas pronto,
tenho medo é de não ser livre,
eu acho,
mas quem é livre mesmo, afinal?
a coruja parda é mais livre do que eu, certamente!
quais dores dormem em seu peito sensível coberto de penas?
dona coruja dos olhos de lua,
estou cheio de pena,
de medo
e de algum amor para dar também,
amor para dar, entrega garantida,
ao homem que passar e me encantar
com suas nádegas gestos humildade
não tens pena de mim, das minhas dores,
deste homem que me amará e um dia
me dirá adeus?
ou serei eu, de novo, que me irei embora?
é da noite,
de todas essas sombras confusas e dissimuladas,
desses pios, dessas palavras que não valem nada,
dessa vontade de traduzir desejo sexo amor saudade dor e tudo
com alguns versos,
que mais tenho medo!
tenho medo de mim
do que em mim vive
do que sobrevive aos ácidos dos dias
do que morde encanta liberta
e assusta
sobretudo quando termino de escrever um poema destes,
puro nonsense cheio de sentido!
tenho medo medo
é de mim, dona coruja dos olhos inocentes,
que mais tenho medo!
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