Ó Portugal,
hoje és nevoeiro
És
nuvem de espuma
diante dos meus olhos opacos
num dia de outono
És o invisível,
o que não existe, a quimera
ou quiçá um amor impossível
És
a lembrança de estalos de beijos noturnos
em meus ouvidos tantas vezes surdos
És
a polpa de uma fruta doce e incomum
da qual nem sequer me lembro o nome
És
o perfume do pescoço fino
do homem que não esqueço
És
cortes feitos à unha na pele das minhas costas
no escuro de uma noite perversa
Ó memória,
tu és mesmo uma ave de rapina,
já lá vai o tempo
plainando sobre os múltiplos cadáveres
que saíram de mim
enquanto bebia vinho
e pensava poesia
Ó tempo,
quanto tempo
que estou longe de ti, Portugal,
tu que me és a alegoria mais suave
desse corpo amado
jamais esquecido
e nunca sepultado
Vigio-te, Portugal!
Cuido da nossa antiga cama de afetos,
os passeios calmos à beira do Mondego,
os temporais e os vinhos do Porto,
as tardes em que ansioso te esperei...
Cuido dos travesseiros
de penas, dores e saudades
para que tudo permaneça assim,
vivo
como um coração cheio de sangue,
nada pode perecer em modo estático,
a máquina do tempo não pode parar ainda,
a claraboia do quarto onde nos víamos ainda está aberta
para as estrelas!
Ó Portugal,
hoje és nevoeiro,
este que vem da praia
que caminha p'ra mim,
que revela redes, uma canoa baleeira
vinda flutuante d'alguma parte dos Açores
Nevoeiro
que traz cantos,
sereios,
encantos,
enterrados por mim na areia
como conchas
que me lembram teu rosto
Ó Portugal,
hoje és nevoeiro,
fantasma,
o sonho que melhor teci,
o verso mais perfeito que sem escrever
escrevi,
o amor que à força costurei
e que mais sofrimentos me deu
que sorrir
Pois,
sem que eu queira,
hoje – ainda – és
nevoeiro,
estranho segredo
Ó Portugal,
hoje és
nevoeiro, nevoeiro!
E eu
sou teu novo Encoberto!
Rei poeta
que numa outra vida foi guerreiro!
Esperas por mim – pelo meu regresso –
sem o saber
Quando nos unirmos, num beijo de fim,
saberemos que terá se cumprido
o nosso utópico, distante
telúrico
destino!
C. Berndt
21/08/2012
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