sento no Café Aroma, que não tem nada de especial, é só mais um café
desses tantos que há pelo centro de Floripa
talvez eu esteja sendo injusto, há, sim, algo de especial no Café Aroma,
um ''não sei quê'' de nostalgia, que me provoca uma saudade, uma melancolia,
lembro das então pastelarias
da baixa de Coimbra
sento-me perto da porta,
que é pra ver quem passa na velha e antiquada João Pinto,
rua a pintar todos dias um outro tempo, uma Floripa cada vez mais distante,
perdida e esquecida
pergunto se tem pastel de natas e o garçom olha-me como se tivesse feito
uma pergunta n'outra língua,
explico que pastel de natas é o mesmo que pastel de belém,
ele sorri mais contente, mas fecha a cara e diz,
Não, senhor, às vezes temos, mas hoje não,
Certo, dá-me, então, um pedaço daquela torta de limão
e uma média com leite, se faz favor
é estranho,
estranho ser estrangeiro na própria terra,
ser estrangeiro no meu país,
desde que voltei da minha viagem não fui capaz de me reencontrar,
e levo, todos os dias, na alma esse modo melancólico propriamente luso de ser,
olhar a vida, tomar café, ler o jornal e abrir os livros
o tempo, este aqui da João Pinto,
das ruas da parte velha da cidade, esta que ainda guarda
o ar, o aroma, de um passado que tem
cada vez mais a aparência dum fantasma,
é outro, outro tempo,
as pessoas caminham menos apressadas e não andam segurando smartphones,
talvez nem sintam azias, pós-modernas azias
gosto particularmente dos sebos, de entrar nesses lugares poeirentos,
cheios de livros velhos e revistas inúteis, e reparar na cara de quem ali
passeia, cruza os corredores a pensar na vida, nas angústias de cada dia,
a procurar pequenos gozos, singelas doses para a alma de ambrosia
o café já está frio, bebo-o mesmo assim,
afinal dizem que estamos em crise, é preciso economizar até mesmo nos cafezinhos,
sobre a mesa está o meu livro do Garrett, aquele das Viagens,
Viagens na minha terra
o garçom não conhece Garrett, repara no meu livro curioso, mas com olhar decepcionado,
de certo esperava que eu estivesse a ler outra coisa,
reparo no modo como ele se escora no balcão, o tédio que tem no olhar,
as coxas grossas e os pêlos no peito que aparecem por conta da camisa de gola cavada,
eu te levaria para casa, petit garçon,
namoraríamos durante dois anos e viria te esperar todas as tardes, sentaria sorridente,
tu farias gracinhas e eu ficaria reparando no modo como rebolas e te insinuas
para mim
suspiro fundo, percebo que o tempo está a se fechar,
Vem chuva aí, diz um senhor que está sentado do lado de fora,
mais para si que para qualquer outro,
somos todos assim, uns solitários, vivemos constantes monólogos
um casal entra no café de mãos dadas, sorriem
como se o amor não acabasse e eles para sempre fossem se amar,
doce ingenuidade, bastará que numa noite de verão, ela cansada,
ele, cheio de libido e de machismo, se enfeze com um não,
Não, não vamos transar hoje, querido, tenho dor de cabeça,
e pronto, terá sido em vão os juramentos feitos ao padre e ao escrivão
tudo se finda,
aceitemos, os corpos apodrecem, as revoluções tornam-se autoritarismos,
o amor vai ficando pra depois,
as viagens, como todas, terminam,
como esta pequena e despretensiosa viagem
que fiz, sentado nesta mesa de café, num dia qualquer,
lembrando, pensando, querendo escrever esses versos
que só serão escritos horas depois, na minha casa,
e já não serão os versos certos, os que pensei,
serão outra coisa, outra viagem,
aqui o mar, mental, acaba e a terra, que é corpo, fica.
(C. Berndt - 13.10.2015)
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