E vamos de Pessoa para encerrar os trabalhos do dia:
ABDICAÇÃO
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu throno de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu sceptro e corôa — eu os deixei
Na antecamara, feitos em pedaços
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa em ''Poemas esotéricos''
segunda-feira, 28 de março de 2016
quinta-feira, 24 de março de 2016
ainda é o mesmo lago
o lago de narciso
que nos hipnotiza
que nos faz parar em meio ao caos
à dor de noites frescas
sentar no mesmo banco de madeira
reparar no boitatá de ferro
na margem do lago erguido, ser de asas abertas
que não voa
e eu ainda aqui
a sonhar contigo
tanto tempo perdido, não é mesmo?
o lago de narciso
onde se reflectem as luzes dos lampiões urbanos
as luzes das estrelas distantes
as luzes dos nossos olhos assombrados
vejo-me na água
ainda sou o mesmo Orfeu ressentido
a espera d'um milagre
d'um abraço que não virá
do outro lado do mar
pois, não virá a mim o Desejado
as névoas que cobrem esta terra ilhada
não o trarão
nunca mais
e dentro do lago
quem me fita, desterrado,
é ainda o mesmo narciso,
face antiga,
afogada...
***
C. Berndt
18.03.2016
o lago de narciso
que nos hipnotiza
que nos faz parar em meio ao caos
à dor de noites frescas
sentar no mesmo banco de madeira
reparar no boitatá de ferro
na margem do lago erguido, ser de asas abertas
que não voa
e eu ainda aqui
a sonhar contigo
tanto tempo perdido, não é mesmo?
o lago de narciso
onde se reflectem as luzes dos lampiões urbanos
as luzes das estrelas distantes
as luzes dos nossos olhos assombrados
vejo-me na água
ainda sou o mesmo Orfeu ressentido
a espera d'um milagre
d'um abraço que não virá
do outro lado do mar
pois, não virá a mim o Desejado
as névoas que cobrem esta terra ilhada
não o trarão
nunca mais
e dentro do lago
quem me fita, desterrado,
é ainda o mesmo narciso,
face antiga,
afogada...
***
C. Berndt
18.03.2016
segunda-feira, 7 de março de 2016
luzes...
apago as luzes
de dentro
para que brilhem
só
as de fora
as que invejo
as que me inspiram
regulus, denébola,
antares, miliphen, sirius
alcyone
e tantas outras que eu não sei nomear
cintilam
flamejam
miram-me
como se fossem olhos
eternos
ternos
internos
que perpassam a distância infinita que há entre nós
olhos de éter
profundos
celestes
amáveis
terríveis
verdadeiro espelho
onde hoje decidi me mirar
quem sabe um dia eu seja também luz
olhos
luzes impossíveis
que me dizem coisas intraduzíveis
apago-me
em paz e em humildade
baixo enfim
o pano de outro dia
em que ando
bebo água
como pão
perdoo
e tento, tento, nunca em vão, aprender a amar,
ao meu ainda escuro coração iluminar.
de dentro
para que brilhem
só
as de fora
as que invejo
as que me inspiram
regulus, denébola,
antares, miliphen, sirius
alcyone
e tantas outras que eu não sei nomear
cintilam
flamejam
miram-me
como se fossem olhos
eternos
ternos
internos
que perpassam a distância infinita que há entre nós
olhos de éter
profundos
celestes
amáveis
terríveis
verdadeiro espelho
onde hoje decidi me mirar
quem sabe um dia eu seja também luz
olhos
luzes impossíveis
que me dizem coisas intraduzíveis
apago-me
em paz e em humildade
baixo enfim
o pano de outro dia
em que ando
bebo água
como pão
perdoo
e tento, tento, nunca em vão, aprender a amar,
ao meu ainda escuro coração iluminar.
sábado, 5 de março de 2016
suave
mergulho dentro de mim
tão
delicadamente
que o faço como se estivesse a tocar um copo d'água
com a ponta dos dedos
mergulho
o barulho
de pingos d'água
bolhas de hidrogênio
os meus olhos fechados
só oiço então
os sons leves
sons doces
em sublime harmonia
a balançar como quem beija um filho
as paredes de éter, as cortinas fluídicas
do meu ser balançante
mergulho
sussurros vêm de algum lugar
uma voz muito querida
dizendo baixinho palavras de amor
mergulho
mais fundo
um pouco mais
em busca de mim e de paz
mergulho
não demoro a encontrá-lo
a sentir
as mãos de quem me espera
mãos tão suaves, tão ternas, tão lisas
e firmes
as mãos de um irmão
amigo
amante
meu coração
pouso
no chão
macio que lá existe
e o abraço com força
não
eu não preciso abrir os olhos
eu já o conheço há tanto tempo
tanto tempo
abraçamo-nos felizes
sentindo um o cheiro do outro
o tempo para
a saudade some
somos só nós
em paz
em paz
deitamos n'alguma lugar flutuante e tenro que nos esperava
ouvimos o canto de seres celestes
gigantescas e brilhantes medusas
balançando suas vestes
e ficamos, sim, a sentir nossa pele
a nossa epiderme
arrepiando-se
feliz
como quem diz
você finalmente aqui
aqui
você
aqui
ah,
mas mesmo a mais linda melodia chega ao fim
ao fim
quando eu subir de novo
à superfície
ele me acompanhará
sentindo
sofrendo
a distância surgir entre nós
mais uma vez
e eu ouvirei por muito tempo
o seu triste e melancólico assovio
a me chamar
a me dizer palavras de paciência
a me ensinar a amar e a esperar
esperar
esperar
o tempo em que mergulhar
não será mais necessário
terei voltado para o Mar.
mergulho dentro de mim
tão
delicadamente
que o faço como se estivesse a tocar um copo d'água
com a ponta dos dedos
mergulho
o barulho
de pingos d'água
bolhas de hidrogênio
os meus olhos fechados
só oiço então
os sons leves
sons doces
em sublime harmonia
a balançar como quem beija um filho
as paredes de éter, as cortinas fluídicas
do meu ser balançante
mergulho
sussurros vêm de algum lugar
uma voz muito querida
dizendo baixinho palavras de amor
mergulho
mais fundo
um pouco mais
em busca de mim e de paz
mergulho
não demoro a encontrá-lo
a sentir
as mãos de quem me espera
mãos tão suaves, tão ternas, tão lisas
e firmes
as mãos de um irmão
amigo
amante
meu coração
pouso
no chão
macio que lá existe
e o abraço com força
não
eu não preciso abrir os olhos
eu já o conheço há tanto tempo
tanto tempo
abraçamo-nos felizes
sentindo um o cheiro do outro
o tempo para
a saudade some
somos só nós
em paz
em paz
deitamos n'alguma lugar flutuante e tenro que nos esperava
ouvimos o canto de seres celestes
gigantescas e brilhantes medusas
balançando suas vestes
e ficamos, sim, a sentir nossa pele
a nossa epiderme
arrepiando-se
feliz
como quem diz
você finalmente aqui
aqui
você
aqui
ah,
mas mesmo a mais linda melodia chega ao fim
ao fim
quando eu subir de novo
à superfície
ele me acompanhará
sentindo
sofrendo
a distância surgir entre nós
mais uma vez
e eu ouvirei por muito tempo
o seu triste e melancólico assovio
a me chamar
a me dizer palavras de paciência
a me ensinar a amar e a esperar
esperar
esperar
o tempo em que mergulhar
não será mais necessário
terei voltado para o Mar.
o sol e o garapuvu
desce etéreo e fugaz
no límpido ocidente
o carro de Apolo
majestosamente brilhante
em forma de cruz
no chão, filho de Gaia recente,
sonha o garapuvu adolescente
um dia tocar e compreender
tamanha luz
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