terça-feira, 8 de setembro de 2015

procuro
nesta noite incauta
fria
de margaridas congeladas no jardim
uma canção, um poema, uma palavra


um gesto
um passo
uma sílaba ou melodia
que me devolva o sossego
a paz que há uns dias perdi


folheio
livros e papéis velhos
há de haver algo aqui, um verso
uma lembrança, uma saudade
qualquer
sedativo


nenhuma das vozes habituais
pode
me consolar
nem Camões nem Pessoa nem Sophia
nem Florbela, minha amargura preferida


reviro-me
tento me despir dessa pele de gelo
e medo
que cobre meus pelos
uma dor


o inverno nos enganou
agosto foi quente e doce
muitos dias de sol e mudas de amor-perfeito
plantadas no vaso frágil da minha vida


mas veio setembro
e como são tempos demoníacos
tudo mudou e a luz da ternura se desacendeu


partiste
cometa de cauda longa
rastro luminoso
rota difusa
e corpo dissonante
suave serpente de libido sibilando prazer


e cá fiquei então
em pedacinhos
a tomar chá
sozinho
amando novamente como nunca quis


procuro
no silêncio robusto
desta noite invernal
os teus olhos o teu corpo o teu cheiro
frio é o inferno sem ti


estes versos
que são como vômito
escarro
ou pranto magoado de orgulho
não me consolam
nem fecham a ferida que abriste


sangrarei por muitos séculos
ainda
até que no maledicente céu das vivências
nasça outro cometa
e o meu corpo gelado e inerte acostumado
aos ventos e à ausência
desperte
em lava e gemidos
contente.

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