domingo, 28 de julho de 2013

O COBRADOR DOS CACHINHOS

Subo no ônibus
com meu jeito desengonçado
e ele me olha
- nossos olhos se olham.

Tem a pele clara,
ainda que bronzeada pelo sol de março.
Os olhos escuros e meigos
como os de dócil cãozinho.

É magro,
braços e pernas finas
- outro dia
o vi fumando
um cigarro, a olhar distraidamente para o céu.
E os cabelos, ai o cabelos,
são de um negro castanho,
feitos em cachinhos que lhe cobrem a testa.

Aos meus olhos,
assemelha-se àqueles anjinhos
dos afrescos de Michelangelo,
embora seja másculo e sensual,
Parece ingênuo, pronto, é isso - mas só parece.

A verdade é que vejo nele um outro homem,
o homem que amei
O homem que conheci em terras lusitanas,
que passeou comigo
e me mostrou o Porto.
O homem que marcou minha vida e minha pele
à ferro, fogo e saudade,
que me deu o seu corpo
como os navegadores dos quinhentos
se deram às índias e índios.

Enfim, não é nada isso o que sinto
nesta manhã de sol de inverno.
É só procura,
vagar,
anseio por beleza e vulgaridade,
como quer toda a humanidade:
uma vulgaridade
que pareça bela, sublime,
que se prostitua nas ruas
e goze na boca dos homens,
vestida de velas e altares.

O cobrador dos cachinhos
- olha-me mais uma vez,
esconde o sorriso
e mete o desejo
dentro de uma daquelas gavetas escuras da alma.
Posso ver, ele morde os lábios.

Seguimos viagem,
olhando nossos reflexos no vidro
que mostra a vida que corre
e que se encena lá fora.
O dia, a biga de Apolo,
concluirá seu percurso
e, mais tarde,
quando a Noite nos tocar
com seus dedos de veludo
e nos cobrir com sua manta de amargura,
deitaremos os dois sobre nossas camas
e gritaremos amém
quando o orgasmo nos sair,
aliviando os braços,
os nervos, o corpo
- eu a pensar no outro,
como um pobre diabo que não esquece,
ele a lembrar dos meus olhos
que lhe pediam beijos
imaginários.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

OS TRÊS DEUSES MAIS CRUÉIS

Marte,
Deus dos corações humanos,
Dá ao meu espírito a força dos teus braços
para que cruze os campos de batalha
e não morra antes de beijar os lábios de Aquiles uma última vez.

Afrodite,
Deusa enganadora, das falsas promessas necessárias,
Da beleza efêmera e vulgar,
Dá-me o gozo de cada dia
Para que meus pés pisem a terra com menos força
E possa amar mais uma vez.

E tu, Baco, deus dos bêbados,
Dos loucos e dos poetas,
Dá-me o teu desprezo e a tua vaidade
Para que eu possa sorrir
E não seja um outro Orfeu
A perder a cabeça por uma Eurídice qualquer.

Aos três deuses mais cruéis
A vida eterna.
A mim, já me basta esta.





Todos os direitos reservados a Charles Berndt. Não reproduza ou copie, sem autorização, este texto em outro lugar, respeite a lei  9.610 que regula  os direitos autorais e pune o plágio no Brasil. 


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Perder-me-ia

mesmo depois de tanto tempo,
tenho de confessar:

perder-me-ia para sempre
no castanho mágico dos teus olhos,
que é como a cor da terra onde nos amamos
- a Ibéria tem a cor do couro de um boi,
disse um outro poeta. 

perder-me-ia, pela eternidade à fora,
sem contar as horas,
na brancura do teu corpo
que me volta à lembrança 
quando vejo a espuma do mar
que chega à praia nas manhãs mais frias.


hoje,
estou à deriva,
à procura de outros olhos que me abracem,
de um outro mar que me engula,
cansei de ser porto,
atracadouro,
de ver gente passando por mim
e lançando lenços de adeus!