segunda-feira, 22 de junho de 2015

DOS TEUS OLHOS

dos teus olhos
verdes indecifráveis
eu vejo o Mar

aquele que um dia atravessei,
o Mar das lúbricas vagas sobre o qual voei
mesmo sendo eu alguém com tão parcas asas,
o Ícaro de Floripa

mas eu vejo,
dos teus olhos eu vejo o Mar
que me levou ao meu destino, o caminho de cicutas,
Portugal de belas colinas e longos prados,
rapaz bonito, feito de terra e nuvem, por mim amado
até o último segundo

eles, os teus olhos, guri, trazem-me
um pouco
do que lá deixei,
um pedaço do meu corpo perdido
como anel no fundo do Mondego, um amor vivo
por acontecer,
uma flor roxa de mágoa,
uma estrela-marinha, uma pedra gigante,
uma saudade. o entardecer

dos teus olhos, carinho,
eu vejo,
vejo
o Mar

e vou de novo, devagarinho,
como quem dança,

a navegar, a navegar...

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Quem me leva os meus fantasmas? (Pedro Abrunhosa/ interpretação de Maria Bethânia)

Aquele era o tempo em que as mãos se fechavam
E nas noites brilhantes as palavras voavam
E eu via que o céu me nascia dos dedos
E a Ursa Maior eram ferros acesos
Marinheiros perdidos em portos distantes
Em bares escondidos em sonhos gigantes
E a cidade vazia da cor do asfalto
E alguém me pedia que cantasse mais alto


Quem me leva os meus fantasmas?

...



terça-feira, 19 de maio de 2015

Vós sois a Luz do mundo!


A paz que tantas vezes nos falta
no mundo, nos rostos, nas ruas
pode ser encontrada onde menos procuramos,
dentro-fundo do peito,
onde o Infinito nos plantou uma semente
de sabedoria e progresso.


A paz
há-de ser alcançada, pouco a pouco,
por cada um e por todos,
quando o mundo for palco de boas semeaduras
e menos egoísmo.

Sentir-se triste?
Para quê?
Lembremo-nos, alguém já nos disse:

Vós sois a Luz do mundo!

**

Mais em: https://www.facebook.com/ajaneladosespiritas?ref=hl


quinta-feira, 14 de maio de 2015

É tempo, é hora... ( por Lúcio Heleno)

Nesse mundo,
não falta quem queira atirar mais uma pedra,
sempre aparecerá quem tenha mais uma palavra
de acusação, uma ofensa gratuita,
um sentimento ressentido, uma mágoa escondida...


Não falta, pois,
quem queira assoprar ainda mais
as brasas das fogueiras do mundo,
não falta quem se felicite com a dor alheia,
e pouco se lembre do que um dia disse o Nazareno:

Quando vestires a um maltrapido,
é a mim que estarás vestindo...

Não falta, nesse mundo de tantas provas
e duras expiações,
quem se ofenda facilmente,
quem do orgulho ferido e mimado
faça guerras,
e sobre a caridade e o perdão
nem mísera menção...

Se ao corpo de muitos falta pão,
a maioria morre sem amor...

Morremos, atravessamos o véu,
voltamos para casa,
muitas vezes igualmente pobres
(de obras)
ao momento em que descemos à carne....

Passamos pelo mundo,
tantas vezes,
quantas flores semeamos, quantos irmãos socorremos,
quantas lágrimas enxugadas, quanto bem espalhado,
quanto tempo aproveitado
(em prol do mundo e não somente de nós) ?

É tempo,
tempo de calar se for ofender,
escutar com humildade para aprender,
perdoar as falhas e erros dos outros
já que não raras vezes erramos
(se não no presente, mas no passado)
mais e de forma mais vergonhosa....

É tempo de apagar as fogueiras de incompreensão
com palavras líquidas de amor e esperança,
é tempo de derrubar montanhas de preconceitos,
e arar a terra (os corações) com humildade
e fraternidade....

É tempo de solidariedade,
de ensinar as crianças a amar em vez
de irrefletidamente (como fazem as feras) revidar o tapa...

É tempo, é hora
de esperarmos o novo mundo,
a Nova Era - ela está à porta!

É tempo de amar, amar,
amar...

É tempo de unir a fé e a razão,
de ver a terra e o céu dando-se as mãos,
tempo de sublimar a matéria com o espírito...

É tempo, é hora
de mudança,
regeneração,
compaixão,
recomeço,
novas energias, novos passos,
a luz de Deus (o Amor Supremo, que tão pouco ainda conhecemos)
a crescer em nós...

Todas as radiantes manhãs são precedidas pela sombra
rápida da madrugada,
é tempo, é hora...

Uma fresta, uma faixa
de luz e felicidade se acende no horizonte,
vivamos!

Vivamos com amor e sabedoria
a nossa eternidade!

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O UIVO DO LOBO

o uivo

de um lobo
um lobo uivando
perto de mim


o uuuivo
de lobo
uuuivaando

uuuuuuuuivo

o uivo de um lobo lobo
lobo uivo de
um lobo

um lobo uiva perto de mim

do vidro gelado da janela
onde vejo meu rosto assustado
vejo, ao longe, nas sombras
um lobo

um lobo uivando
um lobo que uiva para a noite
para mim

o uivo de um lobo sozinho
sem grupo
ou alcateia
um lobo medroso
cauteloso

uuuuuuuuivo
uuuuuuuuivo

o uivo
de um lobo

o lobo que sou eu
sibilino
perturbador
solitário
lobo mal
maligno
cruel
passional
que uiva
uuuuiva
pra se sentir acompanhado, menos abandonado

o lobo que uiva para a noite
a lua
as sombras
a luz que se esquiva

o lobo branco negro prateado ou cinzento
feroz
que sou eu

os meus olhos castanhos caninos
reflectidos
no vidro gelado da janela

o lobo
que sou

que somos

um dos outros
o lobo

o lobo que some
mata
foge
escapa
diz
ama

o lobo que uiva
chama

uiva
uivo
uivos
uuuivo....

C. Berndt

quarta-feira, 25 de março de 2015

ÉS NEVOEIRO

Ó Portugal,
hoje és nevoeiro


És
nuvem de espuma
diante dos meus olhos opacos
num dia de outono

És o invisível,
o que não existe, a quimera
ou quiçá um amor impossível

És
a lembrança de estalos de beijos noturnos
em meus ouvidos tantas vezes surdos

És
a polpa de uma fruta doce e incomum
da qual nem sequer me lembro o nome

És
o perfume do pescoço fino
do homem que não esqueço

És
cortes feitos à unha na pele das minhas costas
no escuro de uma noite perversa

Ó memória,
tu és mesmo uma ave de rapina,
já lá vai o tempo
plainando sobre os múltiplos cadáveres
que saíram de mim
enquanto bebia vinho
e pensava poesia

Ó tempo,
quanto tempo
que estou longe de ti, Portugal,
tu que me és a alegoria mais suave
desse corpo amado
jamais esquecido
e nunca sepultado

Vigio-te, Portugal!
Cuido da nossa antiga cama de afetos,
os passeios calmos à beira do Mondego,
os temporais e os vinhos do Porto,
as tardes em que ansioso te esperei...

Cuido dos travesseiros
de penas, dores e saudades
para que tudo permaneça assim,
vivo
como um coração cheio de sangue,
nada pode perecer em modo estático,
a máquina do tempo não pode parar ainda,
a claraboia do quarto onde nos víamos ainda está aberta
para as estrelas!

Ó Portugal,
hoje és nevoeiro,
este que vem da praia
que caminha p'ra mim,
que revela redes, uma canoa baleeira
vinda flutuante d'alguma parte dos Açores

Nevoeiro
que traz cantos,
sereios,
encantos,
enterrados por mim na areia
como conchas
que me lembram teu rosto

Ó Portugal,
hoje és nevoeiro,
fantasma,
o sonho que melhor teci,
o verso mais perfeito que sem escrever
escrevi,
o amor que à força costurei
e que mais sofrimentos me deu
que sorrir

Pois,
sem que eu queira,
hoje – ainda – és
nevoeiro,
estranho segredo

Ó Portugal,
hoje és
nevoeiro, nevoeiro!

E eu
sou teu novo Encoberto!
Rei poeta
que numa outra vida foi guerreiro!

Esperas por mim – pelo meu regresso –
sem o saber

Quando nos unirmos, num beijo de fim,
saberemos que terá se cumprido
o nosso utópico, distante
telúrico
destino!

C. Berndt
21/08/2012

quarta-feira, 11 de março de 2015

EL REI SEBASTIÃO

nesses dias de Saudade,
em que olho as estrelas, bebo vinho,
oiço fado,

só uma coisa verdadeiramente me consola
e me dá, ao espírito, algum frescor:

olho pela janela e espero,
como nato lusitano,
espero vê-lo, revê-lo,
um dia,
o rei santo,
de cabelos castanhos e olhos aveludados,

surgir da noite, das ondas,
o Encoberto,
belo e angelical,
e sem medo atravessar o meu umbral,
abraçar-me a cintura
e com um beijo na boca
dizer-me que foi tudo um sonho,

''ainda estamos em Portugal''...


C. Berndt 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Arte Poética (Adília Lopes)

Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer

LA PAZ



La paz

deve ser a cidade mais bonita do mundo,
La paz, la paz

haverá paz en La Paz?

cuántos niños duermen en paz en La Paz?
cuántos
dormem
de barriga cheia,
sin hambre,

y con una madre besando su frente
todas las noches?

quantos meninos e meninas,
chicos y chicas
de olhos pretos azuis castanhados,
vão à escola
en La Paz?

Hay paz en La Paz?

La Paz,
se tiver paz,
deveria ser

la capital del mundo, el corazón de América,

donde vamos a vivir
todos en paz,

um dia.

(C. Berndt) 

sábado, 3 de janeiro de 2015

FLORES À IEMANJÁ

quem perde um amor
assim
passa a velar um morto

o amor posto
sobre a mesa das lembranças
margaridas frias poisadas
um rosto
que se perdeu
na névoa dos dias
das noites

quem perde amor
perde uma vida
e tem de renascer das cinzas
velando cada pétala de dor
pôr em seu colo
as devidas saudades
e nas palmas das mãos
como conchas
as lágrimas

e ir, depois,
ao mar
lançar coroas de flores à Iemanjá
quem tem um amor
assim
pr'a velar
que vá ao mar
pular as sete ondas
sorrir para as sereias
sem medo da noite
do silêncio
ou das bruxas que nos querem açoitar

as tuas flores se perderão nas ondas
estrelas-marinhas cairão a teus pés
são palavras
novas
dadas pelo mar

para a ele entregares
esta espera
este amor que ainda te faz chorar.