O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação
o peso
o peso que carregamos
é o amor.
Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano —
sai para fora do coração
ardendo de pureza —
pois o fardo da vida
é o amor,
mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.
Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor —
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
— não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contido
quando negado:
o peso é demasiado
— deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.
Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho —
sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.
--- Texto extraído do livro "Uivo: Kadish e outros poemas" (L&PM, 2010). Tradução de Claudio Willer.
quarta-feira, 5 de março de 2014
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
ALÉM-MAR
( ao Pedro R.)
sobre a janela
no parapeito
sonhávamos o mundo
as estrelas brilhavam
como nunca mais as vi brilhar
e a noite tinha uma mania doce
de dançar
de parecer infinita
de crescer dentro da gente
feito uma rede brilhante de versos
o fim estava tão distante
que nem dávamos por ele
o céu da Ibéria era grande demais
sobre a janela
no parapeito
sonhávamos o mundo
as estrelas brilhavam
como nunca mais as vi brilhar
e a noite tinha uma mania doce
de dançar
de parecer infinita
de crescer dentro da gente
feito uma rede brilhante de versos
o fim estava tão distante
que nem dávamos por ele
o céu da Ibéria era grande demais
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
Além-dor
não sei que bicho me mordeu,
nem que feitiçaria me tocou- é sempre a mesma vontade magoada de tecer versos.
pequenos versos de algodão
-retalhos-
costurados à força numa manta roxa que nunca
encontra um fim.
Manta esta que é meu capote,
meu guarda-chuva
e guarda-frio.
Meu passaporte às terras de Além-dor.
14/09/2012
A FACE DE DEUS
Olhar a face de quem se ama é como olhar a face de Deus
- e diria eu na mais sincera heresia: a face de quem se ama é a face de Deus.
Ainda que somente aos nossos olhos,
o amor - o nosso amor - é sempre o maior
e o mais bonito e o mais perfeito dos amores imperfeitos
- amar nunca é suficiente e não existe sob as estrelas do firmamento
um único amor que seja isso: perfeito.
Mas ainda assim,
ele me parece lindo,
embora eu saiba o calvário que cruzei
e a cruz na qual serei pregado no fim do caminho
- como deus foi.
Deus tolo e impotente pregado por Amor!
Valeu a pena dar o sangue por amor?
Amar é sempre pouco e impossível,
o outro nunca está dentro da gente,
nunca nos pertence e nem esquece de si
porque nos ama, ou diz amar.
A dúvida aqui - a minha inconsolável dúvida-
é a seguinte: o que é o amor?
Não seria ele apenas uma doce e ilusória criação?
Um sonho?
Um poema sonhado mas nunca encontrado?
Uma ideia-pensamento? Nuvem de poeira?
Tempestade?
Ou seria medo da morte?
Pior: medo da morte e da solidão.
Seria, então, somente medo?
Ecos-fantasmas e egoísmo?
Não sei, não sei, não sei.
Sei
que sou já um vaso transbordante de dúvidas,
um cálice rachado, por onde fogem o sangue - os versos.
Ai, dúvidas ensopadas, salgadas... que não me deixam dormir!
Não durmo! E vocês?
O amor,
as ideias, o sonho e as vontades vos deixam dormir?
Não há camomila que me dê jeito
nem lua nem canção que abrande o pensamento...
Nem verso puro que me mate,
que me enlouqueça por completo,
que me encha de esquecimento!
Sou eu só uma Saudade que morre e morde. Morde.
Morde-me de raiva, de vontade, de querer e não querer,
de achar belo o que no instante seguinte amaldiçoo.
Ai de mim! Ai do meu amor e dos meus sonhos!
Ai de todos esses fantasmas e lembranças!
Ai de Narciso e desta face!
Esta face... esta face... a mais linda e encantadora face.
Daria toda a minha poesia se pudesse tê-la novamente,
olhando-me deitado no travesseiro,
procurando-me nos olhos...
Isso é só vontade?
Orgulho pela perda?
Ou é isso que chamam de Amor?
Amor?
Amor... Volta. Ainda que miragem,
volta.
*
- Não, não é amor. É só o vento lá fora.
Suspiro aliviado, mas ainda perturbado:
que amor,
que amor é esse que não me deixa?
Solto os meus olhos no infinito escuro
e vejo estrelas cintilantes
que só me cantam torturas, fados... nem elas, nem elas
são tão belas quanto a face daquele que Amei.
- e diria eu na mais sincera heresia: a face de quem se ama é a face de Deus.
Ainda que somente aos nossos olhos,
o amor - o nosso amor - é sempre o maior
e o mais bonito e o mais perfeito dos amores imperfeitos
- amar nunca é suficiente e não existe sob as estrelas do firmamento
um único amor que seja isso: perfeito.
Mas ainda assim,
ele me parece lindo,
embora eu saiba o calvário que cruzei
e a cruz na qual serei pregado no fim do caminho
- como deus foi.
Deus tolo e impotente pregado por Amor!
Valeu a pena dar o sangue por amor?
Amar é sempre pouco e impossível,
o outro nunca está dentro da gente,
nunca nos pertence e nem esquece de si
porque nos ama, ou diz amar.
A dúvida aqui - a minha inconsolável dúvida-
é a seguinte: o que é o amor?
Não seria ele apenas uma doce e ilusória criação?
Um sonho?
Um poema sonhado mas nunca encontrado?
Uma ideia-pensamento? Nuvem de poeira?
Tempestade?
Ou seria medo da morte?
Pior: medo da morte e da solidão.
Seria, então, somente medo?
Ecos-fantasmas e egoísmo?
Não sei, não sei, não sei.
Sei
que sou já um vaso transbordante de dúvidas,
um cálice rachado, por onde fogem o sangue - os versos.
Ai, dúvidas ensopadas, salgadas... que não me deixam dormir!
Não durmo! E vocês?
O amor,
as ideias, o sonho e as vontades vos deixam dormir?
Não há camomila que me dê jeito
nem lua nem canção que abrande o pensamento...
Nem verso puro que me mate,
que me enlouqueça por completo,
que me encha de esquecimento!
Sou eu só uma Saudade que morre e morde. Morde.
Morde-me de raiva, de vontade, de querer e não querer,
de achar belo o que no instante seguinte amaldiçoo.
Ai de mim! Ai do meu amor e dos meus sonhos!
Ai de todos esses fantasmas e lembranças!
Ai de Narciso e desta face!
Esta face... esta face... a mais linda e encantadora face.
Daria toda a minha poesia se pudesse tê-la novamente,
olhando-me deitado no travesseiro,
procurando-me nos olhos...
Isso é só vontade?
Orgulho pela perda?
Ou é isso que chamam de Amor?
Amor?
Amor... Volta. Ainda que miragem,
volta.
*
- Não, não é amor. É só o vento lá fora.
Suspiro aliviado, mas ainda perturbado:
que amor,
que amor é esse que não me deixa?
Solto os meus olhos no infinito escuro
e vejo estrelas cintilantes
que só me cantam torturas, fados... nem elas, nem elas
são tão belas quanto a face daquele que Amei.
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
Dos poemas perdidos, aqueles que escrevo e esqueço nos versos de extratos bancários:
na estação
somos todos um mar
de gente sem rosto
sem vidas
sem ontem
tudo são pressas
o que importa
são os horários dos trens
que partem atrasados
ninguém espera o amor
na estação
ele não descerá do trem
que chega às duas
não matará com um beijo
a minha amargura.
na estação
somos todos um mar
de gente sem rosto
sem vidas
sem ontem
tudo são pressas
o que importa
são os horários dos trens
que partem atrasados
ninguém espera o amor
na estação
ele não descerá do trem
que chega às duas
não matará com um beijo
a minha amargura.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
Outra das minhas traduções:
Deito a cabeça
para fora da janela, e percebo
o quanto deseja cortá-la
a lâmina fria do vento.
Nesta guilhotina
invisível, eu pus
a cabeça sem olhos
de todos os meus desejos.
E um odor de limão
preencheu o instante imenso,
como se o vento
estivesse a se converter em flor de seda.
(Federico García Lorca)
Deito a cabeça
para fora da janela, e percebo
o quanto deseja cortá-la
a lâmina fria do vento.
Nesta guilhotina
invisível, eu pus
a cabeça sem olhos
de todos os meus desejos.
E um odor de limão
preencheu o instante imenso,
como se o vento
estivesse a se converter em flor de seda.
(Federico García Lorca)
sábado, 28 de dezembro de 2013
Poema de Federico García Lorca: Esta luz, este fuego que devora...
Esta luz, este FUEGO QUE DEVORA.
Este paisaje gris que me rodea.
Este dolor por una sola idea.
Esta angustia de cielo, mundo y hora.
Este llanto de SANGRE que decora
lira sin pulso ya, lúbrica tea.
Este peso del mar que me golpea.
Este ALACRÁN que por mi pecho mora.
Son guirnaldas de amor, cama de herido,
donde sin sueño, sueño tu presencia
entre las ruinas de mi PECHO hundido.
Y aunque busco la cumbre de prudencia
me da tu corazón valle tendido
con CICUTA y pasión de amarga ciencia.
Este paisaje gris que me rodea.
Este dolor por una sola idea.
Esta angustia de cielo, mundo y hora.
Este llanto de SANGRE que decora
lira sin pulso ya, lúbrica tea.
Este peso del mar que me golpea.
Este ALACRÁN que por mi pecho mora.
Son guirnaldas de amor, cama de herido,
donde sin sueño, sueño tu presencia
entre las ruinas de mi PECHO hundido.
Y aunque busco la cumbre de prudencia
me da tu corazón valle tendido
con CICUTA y pasión de amarga ciencia.
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